Texto e fotos: Alexandre Haubrich
Os protestos que tomaram as ruas do Brasil no histórico 17 de junho tiveram como origem o início de 2012, quando alguns poucos começaram a sair às ruas em Porto Alegre para lutar contra o aumento das passagens do transporte coletivo. Organizações foram se juntando ao movimento e 2013 amanheceu com protestos se multiplicando no mesmo ritmo em que se multiplicavam os protestantes. No 17J foram pelo menos 300 mil no país, pelo menos 20 mil em Porto Alegre. Uma massa incontrolável que, por enorme e diversa que é, inclusive com setores da direita se juntando às mais recentes manifestações, precisa preocupar-se com os rumos que poderá tomar a partir daqui.
Encaminhou-se na última semana a tentativa, orquestrada midiaticamente, de tirar o foco do problema das passagens e, de modo menos específico, do problema do capital (algo que começava inexoravelmente a apresentar-se), e transformar as mobilizações em instrumento contra o governo federal usando temas impalpáveis e tradicionalmente caros ao discurso da direita, como o “combate à corrupção” e o “combate à violência” – o que, na prática direitista, significa combate à política e aumento da repressão policial. A resposta veio, e nas marchas pelo Brasil era possível observar diversos participantes que claramente nada tinham a ver com a luta contra o capital, contra o sistema que é, no fim das contas, o responsável pela negação do direito ao transporte público, gratuito e de qualidade.
As mobilizações em si têm trazido consigo uma carga de violência incontrolável, mas reduzida. A tradição recente brasileira é de certa passividade popular ou de protestos absolutamente pacíficos, e por isso o que tem acontecido causa certo espanto, mas as recentes manifestações na Europa (para não falar da Primavera Árabe) mostram que essa não é a realidade natural. Certa carga de violência faz parte, é de praxe, e tem seu valor. É importante, porém, estrategicamente, que seja reduzida a uma minoria e que o movimento, enquanto corpo, repudie esse tipo de ação. A violência, na conjuntura, não pode se parte do movimento, mas pode, sim, estar ao seu redor. Com limites, com inteligência. Quebrar vidros do Teatro São Pedro, por exemplo, não faz o menor sentido, assim como não faz sentido incendiar ônibus de empresas públicas.
A violência policial também é uma realidade com a qual temos que contar. Afinal de contas, o que se espera da polícia? Certamente irá sempre reagir. O que não pode ser aceito é que tome ela a atitude de iniciar o confronto, assim como não pode ser aceita truculência, abuso de autoridade e tentativas de dispersão total das caminhadas. Também não podem ser aceitas ações policiais nas quais os agentes estão sem identificação. As ações precisam ser específicas, reativas, controladas e respeitosas. É o Estado, propriedade popular, e não pode agir como criminoso. Não é um enfrentamento de gangues.
Um último e necessário ponto a respeito da dinâmica do movimento em dias de manifestação se refere à questão dos partidos. Vejo PSOL e PSTU com total legitimidade para levar suas bandeiras e camisetas às mobilizações. São parte importante desse movimento em especial e das lutas de contestação no Brasil, de modo geral. Gritar “sem partido” é não compreender a legítima diversidade do movimento e os setores que o compõem. A esquerda, a contestação ao capitalismo, é tradicionalmente diversa, e os símbolos dessa diversidade – bandeiras de partidos, de movimentos anarquistas, de movimentos punk – podem, sim, estar presentes. O importante é que haja unidade na luta. Ainda que os caminhos para alcançar a vitória sejam distintos, existem intersecções, e são elas que precisam ser destacadas, sem que isso procure esconder a diversidade. A direita é, por natureza, pouco diversa. Mantêm a unidade para manter o poder. Se não estivermos juntos não poderemos enfrenta-la, e isso só pode ser feito com respeito às nossas diferenças.
Enfim, tudo indica que o movimento terá repercussões práticas. Algumas cidades já decidiram, um dia após os grandes protestos, baixar os preços das tarifas. Mas até onde queremos ir? É suficiente que essas medidas sejam tomadas através de isenções fiscais às empresas concessionárias? Ou o que queremos é que o lucro seja reduzido? Essas são questões ligadas apenas ao setor específico. O que mais queremos? O que mais podemos? O que precisamos evitar?
A direita chamando o povo para a rua tem um significado claro: querem tomar conta das manifestações, querem desviá-las de seu rumo que, por mais impreciso que seja, certo está que não é em direção à direita, não é em direção a mais hegemonia do capital sobre as pessoas e de uns poucos sobre muitos outros. O movimento precisa responder, precisa fortalecer a unidade para que oportunistas não ganhem espaço e para que, quando tudo o que estamos fazendo der em alguma coisa, seja para melhor, seja com mais povo, com mais espaços e direitos públicos, com mais voz e com mais luta.