Texto e fotos: Alexandre Haubrich / Jornalismo B
Os lutadores do centro e da periferia de Porto Alegre transformaram-se, na noite desta quinta-feira, em um só corpo – um corpo de gigante. Mais de mil pessoas – esse número variou bastante durante as cinco horas de ato – caminharam em protesto pela Zona Sul da capital gaúcha, exigindo as pautas do Bloco de Lutas Pelo Transporte Público e agregando a elas a batalha por direitos e respeito da comunidade da Vila Tronco. Sem problemas relevantes de quebra-quebra, como acontecera outras vezes, militantes que já vêm construindo os recentes protestos no Centro da cidade foram até a Vila Tronco e trouxeram consigo, para o asfalto e para a visibilidade, centenas de jovens – e nem tão jovens – que travam uma luta particular contra a exclusão e o preconceito.
A Vila Tronco, encravada na Vila Cruzeiro, está sendo removida para duplicação da Avenida Moab Caldas. Os moradores reclamam de falta de diálogo e de respeito, e, à parte da Associação de Moradores, tem se mobilizado para defender-se. Na manifestação desta quinta eram dezenas os que vestiam camisetas amarelas do movimento “Chave por Chave”, que defende a ideia de que “sem casa nova, ninguém arreda o pé”. O Comitê Popular da Copa teve participação de frente em toda a organização do ato.
A concentração, que começou às 17h em frente ao Postão da Cruzeiro, começou a encorpar-se depois das 18h. Algumas entradas da vila estavam guardadas por policiais militares, que chegaram a revistar mochilas de militantes que chegavam. Já antes, na região central da cidade, ônibus que partiam rumo à Cruzeiro eram “cuidados” pela Brigada Militar. Micro-ônibus da própria BM posicionavam-se no largo ao lado do Estádio Olímpico, prontos para subir o morro caso se entendesse necessário.
Depois de um abraço ao Postão, começou a caminhada. Muitas crianças que acompanhavam o ato desde o início seguiram com o grupo. Outras ficaram pelo caminho, guardando como recordação de luta cartazes que haviam erguido como troféus e que, independente do que levavam escrito, gritavam: eu existo!
A caminhada seguiu tranquila, misturando gritos já tradicionais do Bloco de Lutas com cânticos da comunidade da Cruzeiro. As pichações e os chutes contra portas, tão vistos nas últimas mobilizações, desapareceram. Ao contrário do que acontecera em outros atos recentes, apenas uma bandeira do Brasil levava o nacionalismo à pauta. Não se teve notícias de cartazes “contra a corrupção”. A direita – organizada ou “de senso comum” – sumiu. Quem estava ali era o povo, e caminhava em meio ao povo, o que fez com que nenhum comércio fechasse as portas e com que a população que não marchava construísse de forma natural um cordão ao redor dos que caminhavam, batendo fotos, fazendo vídeos, acenando, cantando e dançando. Participando, enfim. Existindo.
Os manifestantes seguiram pela Avenida Ijuí em direção à Zona Sul, chegando ao Jóquei Clube, na esquina com a Campos Velho, em uma área que os moradores da Vila Tronco defendem como destino após a remoção. Um pequeno ato se formou naquele momento, algumas falas no carro de som lembraram que aquele espaço é público e deveria ser usado para benefício da população, e então, sem um consenso sobre a sequência, a caminhada dividiu-se.
Uma líder comunitária, Isaura (ou Vovó Divina), gritava aos moradores da Cruzeiro que trocassem de pista e voltassem. Avisava aos desavisados: “a partir daqui não é mais nosso território. Pra lá é território da burguesia, e não nos interessa ir”. Junto com o Levante Popular da Juventude, um grande grupo voltou. Cerca de 300 manifestantes seguiram, mas foram se dispersando até chegarem em cerca de 150 à frente do Barra Shopping Sul, onde o ato foi encerrado.
Já com a dispersão em andamento algumas crianças e adolescentes chutaram alguns tapumes do shopping e rasgaram um cartaz publicitário. Há relatos de que mais adiante um carro teve os vidros quebrados. De dentro do Barra Shopping saíam, nesse momento, pelo menos 50 policiais da Tropa de Choque, todos eles sem identificação. Não existindo. Não precisaram agir.
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