Fórum pela Paz na Colômbia – Mesa “Justiça Social” pergunta: que paz queremos?

25 maio

Texto e fotos: Alexandre Haubrich, Jornalismo B

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Uma das mesas que abiu, nesta sexta-feira, o Fórum pela Paz na Colômbia, serviu para debater não apenas a necessidade de paz, mas o tipo de paz necessário. A mesa temática “Justiça Social”, no auditório da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação – RS, levou cerca de 100 pessoas de diversos países da América Latina a confrontarem-se com dois tipos de paz: a dos cemitérios e a da justiça.

O colombiano David Flores, porta-voz da Marcha Patriótica, foi quem abriu os trabalhos, apresentando justamente esse questionamento: qual a paz que a Colômbia pede? Esse, para ele, é o centro da disputa política que se dá hoje naquele país. David distinguiu dois tipos de paz: a paz que quer o presidente Juan Manoel Santos, “que busca manter o atual modelo de acumulação de capital, especialmente através da exploração dos recursos naturais”; ou a paz com justiça social, que “reconhece que o que existe é um conflito social, político, econômico e armado, e que são conflitos que se determinam entre si”.

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David explicou que “a proposta de Santos é, sem mudar nada, incorporar a insurgência armada ao campo eleitoral”, mas destacou: “na Colômbia temos um sistema político antidemocrático”. Segundo relatou, o controle político na Colômbia está nas mãos de grupos paramilitares, e não há possibilidade de uma oposição de esquerda ter qualquer espaço eleitoral. A violência política é uma realidade, e, como contou David, desemboca em constantes assassinatos de militantes, sindicalistas, integrantes de partidos da esquerda, ou mesmo de civis. Sim, até mesmo civis sem qualquer participação na luta política, geralmente moradores de áreas mais pobres, são mortos pelo governo, que então afirma ter derrotado insurgentes. “Em um ano, oito companheiros da Marcha Patriótica foram assassinados”, denunciou, lembrando o caso do partido de esquerda União Patriótica, cujas principais lideranças foram todas mortas por paramilitares de direita.

Por outro lado, há a paz que os movimentos sociais defendem, a “paz com justiça social”. As diferenças ficam claras desde a análise do conflito: “Santos diz que o conflito armado é a causa, nós dizemos que é a consequência do conflito social”. David diz que o conflito armado só existe por conta das grandes desigualdades presentes na sociedade colombiana e pela impossibilidade de disputa democrática. “Não estamos falando de fazer revolução, de socialismo, mas de reconhecer um conflito social histórico”.

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Para David, dois caminhos são fundamentais para a paz defendida: mobilização popular e pressão internacional. Além disso, ele vê como necessária a criação de uma Assembleia Constituinte que possa democratizar o poder político colombiano, historicamente mantido nas mãos de poucas famílias. O mesmo acontece com o poder midiático, conforme contou.

O colombiano ainda destacou o papel do exército colombiano na matança que acontece naquele país. 8% do PIB é utilizado em gastos militares, para manter 400 mil soldados – proporcionalmente o segundo maior exército do continente, atrás apenas dos Estados Unidos.

Depois de David, quem falou foi Jair Krischke, coordenador da Comissão da Verdade no Rio Grande do Sul e histórico militante dos Direitos Humanos. Jair começou fazendo uma autocrítica ao mesmo tempo em que comemorava a realização do Fórum, ao lembrar que no Brasil conhecemos pouco a realidade do restante da América Latina. E seguiu de forma contundente reforçando a análise de David Flores: “Quando se fala em paz, eu tenho medo. Porque o que alguns querem é a paz dos cemitérios, o silêncio. A paz verdadeira é filha da justiça”.

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Jair falou do número impressionante de assassinatos de dirigentes sindicais na Colômbia, e destacou que “os grandes conflitos internacionais têm fundo econômico, não político”, e que os conflitos colombianos acontecem por conta da ganância da elite daquele país, “talvez a mais qualificada elite da América Latina”.

O último a falar foi o argentino José Ernesto Schulman, representante da Liga Argentina pelos Direitos dos Homens, a mais antiga organização de Direitos Humanos das Américas, criada em 1937 em apoio aos espanhóis que lutavam contra a ditadura de Franco. José Ernesto foi no mesmo caminho de David e Jair, diferenciando dois tipos de paz. Para eles, a questão e a disputa dá-se entre a “paz romana” e a “paz de Jesus”, ou seja, a paz do opressor contra a paz do oprimido, da solidariedade, da justiça. “A paz dos vencedores, dos cemitérios, estéril e encobridora de um conflito histórico” ou “a paz pela qual se realizam os direitos humanos e a dignidade”. Destacou que não basta terminar com o conflito, é preciso terminar com o que o causou.

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O argentino leu o prefácio da Declaração Universal dos Direitos dos Homens para lembrar que os povos têm o direito a rebelar-se contra tiranias, e disse que é isso o que acontece hoje na Colômbia. Foi além: “o tema da paz na Colômbia toca a todos nós latino-americanos. Que paz terá vez na Colômbia é que cenário teremos na América Latina nas próximas décadas. O que acontecerá se os yankees conseguem transformar a Colômbia em um porta-aviões gigante, na porta de entrada do império?”. Emocionado, José Ernesto encerrou sua fala e o debate lendo um trecho da fala de outro Ernesto, também argentino, que sob a alcunha de Che deixou boquiaberta a Assembleia Geral da ONU em 1967:

Esta gran humanidad ha dicho ‘¡Basta!’ y ha echado a andar. Y su marcha, de gigantes, ya no se detendrá hasta conquistar la verdadera independencia, por la que ya han muerto más de una vez inútilmente.

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